quinta-feira, 24 de maio de 2007

Recordações

Tanto se fala de maus tratos a animais. Animais agressivos e abandonados, gente que não gosta deles porque simplesmente são de outra espécie...Enfim, eu tenho uma opinião muito diferente, e gostava muito de poder mostrar a todos que eles são muito, mas muito mais «humanos» do que nós, e mais ainda, que eles nos fazem bem.
Vou tentar por isso relatar-vos algumas das histórias que ao longo dos anos fui vivendo com eles. Uns que apanhei da rua, outros que me foram dados, outros ainda que nem foram meus. Mas continuam todos no meu coração, porque da mesma forma que não esquecemos um familiar que parte para outro mundo, também não esquecemos estes peludinhos que de uma maneira ou de outra , viveram connosco
.
Esta é a história da minha Julie.

Um dia quando cheguei ao parque de campismo com a minha família, estava uma cadelinha magra e feia, com cerca de 4 meses, dentro da tenda. Tinha levado para lá ossos, paus, sapatos, enfim notava-se que “vivia” ali. Não lhe demos muito importância, até porque, se foi embora quando nos viu. Durante mais dois fins-de-semana lá encontrávamos a “Maria” (era assim que lhe chamavam por ali) tinha sido ali abandonada, e ninguém lhe dava de comer. Então ela roubava.
Seguia-me para todo o lado, parecia uma sombra, e até já tomava conta das nossas coisas, ladrando a todos quantos se aproximavam.
Uma sexta-feira ao fim do dia quando lá chegámos, já era Outono e chovia muito, estava ela presa a uma corda com cerca de 50cm, no meio da lama e sem um abrigo. Mal se podia mexer. É claro que, fui logo saber porque motivo ela estava naquelas condições.
A resposta foi: ELA ROUBA COMIDA AOS CAMPISTAS, POR ISSO VAI SER ABATIDA. JÁ SE CHAMOU O CANIL.
Quase entrei em pânico e tive de convencer os meus pais a ficarmos com ela. Felizmente já tinha conquistado o coração de todos lá em casa, e a resposta foi imediata. Naquele dia ganhei uma amiga. No momento em que a desamarrei, ela percebeu logo o que se passava e correu para a tenda com uma felicidade tão grande…Não sei como transmiti o que sentia naquele momento, mas ela percebeu. Não foram precisas palavras, não sei o que foi, só sei que ela soube naquele momento que passava a ser da família. Nunca mais saiu do pé de nós, e no Domingo ao fim do dia entrou no carro como se sempre tivesse sido assim. O tempo passou, ela ficou linda e refilona. Sempre que lá ia, não queria ninguém perto da tenda nem da gaiola dos nossos periquitos. Era tudo dela. Nós éramos dela, éramos a sua família, não queria ninguém perto de nós, e por nós, daria a sua vida. Tenho a certeza disso, porque nós as duas comunicávamos quase só pelos gestos. Não sei explicar, mas era como se não houvesse a barreira das raças. Eu fazia um pequeno gesto e ela percebia logo. Ela olhava-me de certa forma e eu entendia o que era.
Era uma excelente guarda, da casa, e da família. Eu vivia no Cacém, perto de Sintra, e quem conhecer o lugar sabe que não é muito aconselhável andar por ali á noite sózinha. Com ela não havia problema, caminhava encostada a mim, sempre atenta ao redor, assumia um aspecto algo ferós e não ladrava...agia.
Uma vez, num café visinho, o dono, (um rapaz da minha idade) estava a contar uma história e levantou o braço perto de mim. A reacção foi instantânea...ela estava atenta e eu também. Foi como se os seus olhos mudassem de cor, e numa fracção de segundo já ia no ar de boca aberta direita a ele. Ao mesmo tempo eu pus-me á frente, e fiquei com ela ao colo, e uma dentada na testa.
Ouve criticas, muitos comentários, do género «devem chamar os bombeiros», «este cão tem de andar açaimado», « devia ser abatido», «devia-se chamar a policia», enfim aquelas coisas todas que é hábito ouvir. Mas ninguém percebeu que aquilo foi um acto de Amor. Sim Amor pela sua dona!!! Quando viu que me fez mal, meteu o rabo no meio das pernas e ficou cheia de medo.
Foi assim durante 15 anos, muitas histórias se seguiram, mas são demasiadas para contar aqui.

Em princípios de 2001 percebemos que a minha Julie tinha um tumor a crescer rapidamente na barriga, e alastrou para as pernas traseiras. Estava surda, via mal, mas o coração estava bem. Na minha vida as coisas decorrem sempre ao mesmo tempo. A minha mãe também tinha um cancro que lhe estava a roubar a vida, e no dia em que foi internada para não voltar mais, pediu-me que levasse a Julie ao veterinário… (nesta altura eu já não vivia lá em casa, mas a minha mãe nunca me deixou trazer a Julie comigo, pois passou a ser a sua companhia). Recordar estas coisas doe muito, e estou a molhar o teclado. A Julie foi eutanasiada numa sexta-feira, dia 11 de Maio de 2001, e a minha mãe faleceu na sexta-feira, dia 18 de Maio de 2001. Em uma semana perdi as duas.
Mas foram anos bons, e todos nós temos de lembrar as coisas boas. Eu, e a minha família fomos recompensadas, por termos dado a hipótese da vida àquela cadelinha feia, mas dedicada. Todos ganhámos. Todos, menos quem a deitou fora.


Penso que ela achava que era gente. No Inverno quando estava frio ia buscar uma camisola, que empurrava para cima de nós até lha vestirmos. Ficava toda contente. Um dia comprei-lhe uma de criança que" lhe ficava a matar".
Nas fotos pode-se ver como o sofá era uma predilecção, e como no campismo não há sofá, as cadeiras de praia também servem.
Sentar no meio da rua e esperar que a vizinha do 3º andar deite uma bolacha, era coisa que não se dispensava dia nenhum.
Na 2ª foto tinha cerca de um a dois anos e está com a minha mãe.
Na 1ª tinha cerca de 10 anos, e estava-se a rir para mim.



6 comentários:

Joaquim Nobre (JJ©N) disse...

Uma história emocionante...

E uma experiência de vida única e intransmissível.

Tiveste muita sorte em encontrar essa amiga canina e ela a ti...
Um amor assim é daquelas coisas que nos faz feliz neste mundo!

Eu tb tenho uma história de infância com a minha "Lassie", de muitos momentos felizes e um fim triste...que deixou marcas até hoje...ao ponto de nunca mais ter outro cão para a substituir...

Obrigado por nos contares esta parte da tua vida, da Julie e da tua Mãe (os meus sentimentos)...

Bjs.

Van Dog disse...

Lindo.

greentea disse...

estive a acabar um trabalho até agora . cá em casa já todos dormem mas o meu cão ficou aqui ao lado a fazer companhia e ver se tudo está bem comigo...

Eles são uma ternura, sem dúvida, tal como a tua era!!

Afgane disse...

Dizer o quê? Esta é uma história de amor, amizade e companheirismo que só conseguimos com os animais. Cada um tem uma história que nos dá lições de vida. Muito bonita a sua cadela, a história é linda e comovente, adorei.

Maria Cristina Amorim disse...

Sim , têm rasão, eles são únicos, e as experiências vividas marcam-nos para toda a vida.
Ao longo da infancia e adolescensia aprendi muito com eles, e não sou capaz de não ter nenhum.
Beijos para todos.

Carracinha Linda! disse...

Bom dia...

Também fiquei a chorar. A história é bonita e muito emocionante. E é mais um exemplo do Amor que pode existir entre um cão e uma pessoa. Acho que muitas vezes os animais são mais nossos amigos do que aquelas pessoas a quem damos esse nome. Porque os animais não sabem ser falsos. São genuínos, são fieis e são protectores. Nem todas as pessoas são assim...

Beijinhos